A igreja levou muito tempo para
aceitar a ignonímia (infâmia pública) da cruz. Apenas no século 4 a cruz
realmente tornou-se símbolo da fé. (Os estudiosos observam que a crucificação
só se tornou comum na arte depois da morte de todos os que haviam testemunhado
uma crucificação real.)
Hoje, porém, o símbolo está em
toda parte: os artistas moldam em ouro e outros metais este instrumento romano
de execução, atletas fazem o sinal da cruz antes de uma performance. Por mais
estranho que isso pareça, o cristianismo se tornou a religião da cruz – a
forca, a cadeira elétrica, a câmara de gás, em termos modernos.
Normalmente, pensamos que alguém
que morre como criminoso é um fracasso. Todavia, Paulo refletiria mais tarde
acerca de Jesus, dizendo: “Tendo despojado os poderes e as autoridades, fez
deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. O que quis ele
dizer com isso?
Em certo nível, penso em
indivíduos de nosso tempo que desarmam os poderosos. Os xerifes racistas que
trancafiaram Martin Luther King em celas de cadeia, os filipinos que
assassinaram Benigno Aquino, as autoridades sul-africanas que prenderam Nelson
Mandela – todos esses estavam resolvendo um problema e, no entanto, todos
acabaram escancarando sua própria violência e injustiça. O poder moral pode
exercer um efeito apaziguador.
Quando Jesus morreu, até um
ríspido soldado romano foi levado a exclamar: “Verdadeiramente, este era o
Filho de Deus!”. Ele viu o contraste com extrema clareza entre seus colegas
embrutecidos e sua vítima, que, agonizando, os perdoou. A pálida figura pregada
no travessão de uma cruz revelou que os poderes dominantes do mundo eram falsos
deuses que descumpriam suas próprias promessas de piedade e justiça. A
religião, não a irreligião, acusou Jesus; a lei, não a ausência da lei, o
executou. Com seus julgamentos manipulados, seus açoites, sua violenta oposição
a Jesus, as autoridades políticas e religiosas daquela época mostraram o que
eram: promotoras do status quo,
defensoras apenas de seu próprio poder. Cada ataque contra Jesus pôs a nu a
ilegitimidade delas.
adaptado
O Jesus que eu nunca conheci
Philip Yancey – Sinais da Graça
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