Antes de
Jesus, o judaísmo criou a expectativa de que o Ungido de Deus se manifestaria
como um grande conquistador, o libertador final – uma encarnação melhorada e
glorificada de Moisés, e como um profeta mais exuberante do que Elias.
Nessas duas
percepções – grega e judaica – Jesus de Nazaré mostrou-se um fracasso. Nem o
absolutamente perfeito da filosofia, nem o supermessias.
Jesus causava horror: se o Deus dos fariseus zelava
pela lei, ele insistia que os mandamentos podem ser flexibilizados pela
misericórdia. A mulher apanhada no próprio ato do adultério experimentou a
força de um amor capaz de vergar a rígida lei. A mulher siro-fenícia,
o centurião romano, a senhora impura que padecia com uma hemorragia
crônica, o endemoninhado que vivia em sepulcros, o cego da calçada, todos
provaram que qualquer um pode aproximar-se de Deus sem intermediação sacerdotal
e sem depender do cumprimento da lei.
O Nazareno acolheu os não-eleitos. Ele
democratizou, universalizou, a pretensão de qualquer pessoa achar-se escolhida.
Para ele, ninguém foi providencialmente preterido. A graça
banalizou a predestinação.
Jesus não amedrontava os ouvintes apresentando um
Deus que persegue rebeldes. Pelo contrário, o Deus de Jesus é Pai ferido que
espera o filho que saiu de casa. Mais que isso: Deus corre (é
lindo isso!) ao encontro do filho arrependido. E mesmo se o filho
cheirar como um porco, ele o cobre de beijos.
Ricardo Peter intuiu corretamente o porquê do ódio
dos fariseus contra Jesus:
Os fariseus começaram a perceber que Jesus estava
mudando radicalmente a maneira de entender quem é Deus. Este Deus teria podido
provocar confusão e dispersão entre as pessoas religiosas. O comportamento do
Deus anunciado por Jesus, do Deus que demonstra um amor incondicionado pelos
pecadores, começava a colocar o Deus dos fariseus na sombra. Tinha início uma
luta de ‘Deus contra Deus’.
Os religiosos contemporâneos de Jesus queriam que
Deus excedesse o poder de Baal. Jesus se mostrava o oposto de uma divindade
territorial e melindrosa. Ele era o salvador despido da arrogância. As pessoas
aguardavam um líder que reunisse milícias mais arrasadoras do que as legiões
romanas. Jesus, todavia, pegava crianças no colo enquanto ensinava que o Reino
pertence a elas. Os pobres nacionalistas ambicionavam levar Israel à
liderança do mundo para depois vingar os vários séculos de opressão. Jesus,
contudo, abria o rolo da lei para citar as palavras do profeta: O
Espírito do Senhor está sobre mim e ele me ungiu para pregar boas notícias aos
pobres.
Assim, tomados de indignação, os religiosos
conspiraram para matá-lo. – Se Jesus era a expressa imagem de Deus, merecia ser
eliminado. Um Deus frágil não serve aos interesses da religião – qualquer uma.
No Carpinteiro amigo de Maria Madalena, a
Divindade não se mostrou indiferente. O Emanuel, o Deus conosco, se moveu de viscerais
afetos por uma viúva que enterrava o filho e chorou diante da
sepultura do amigo. A dor humana dói em Deus. Isaías (63.9) antecipou a aflição
de Deus ao dizer: Em toda a angústia deles, foi ele angustiado.
Ricardo Peter, com sua intuição sobre a revelação
de Deus que Jesus brindou o mundo afirmou:
O Deus de Jesus assume o humano a tal ponto que
liberta o homem da exigência de ser como Deus. Deus contém em si, agora o
máximo de humanidade. Deus encontra-se imerso no humano. O ‘Reino’ de Jesus não
requer seres excepcionais, melhores que o ‘resto dos homens’, que se preocupam
em ser por eles contaminados.
Jesus incomoda sobremaneira os religiosos por
mostrar que Deus é amor; e este amor relativiza qualquer dogmatismo. Nele as
exigências e os ritos perdem força. Os conceitos milenares de um Deus inabalável
e severo precisam ser jogados fora depois que se conhece o Bom Pastor.
Os que não distinguem entre o Deus grego ou fariseu
e o Deus que Jesus encarnou têm razão em decretar a sua morte. A expressão Deus
está morto não passa de um grito ressentido de gente que se defrontou
com a noção errada de Deus; a divindade anunciada como um déspota obcecado pelo
poder, realmente, precisa ser sepultada.
O Reino que Jesus de Nazaré revelou não tem
paralelo com os reinos humanos. Sua proposta de vida continua despercebida
dos poderosos, pois acontece entre pequeninos e no meio de desprezíveis: grãos
de mostarda, ovelhas indefesas, pessoas ineficientes, servos inúteis, pecadores
indignos, prostitutas, leprosos, cegos, mendigos, estrangeiros, exorcistas
informais.
Deus escolheu esvaziar-se para revelar-se no
Filho, Jesus Cristo. Todas as outras divindades merecem ser descartadas como
ídolos.
A Deus toda a glória!
Carlos R. Silva
inverno 2013
Compilação do texto Jesus: a
negação do ídolo, a afirmação de Deus de Ricardo Gondim.
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