O perigo de uma vida dupla
A mídia tem sido especialmente dura com pessoas
no ministério cristão que levam vidas duplas e causam desgraça a si mesmas,
àqueles que amam e ao evangelho. Sabe-se que ministérios não são o único
ambiente em que os hipócritas se escondem. Eles estão em todas as profissões.
Banqueiros roubam dinheiro, atletas usam drogas, advogados fabricam evidências,
políticos aceitam propinas, médicos vendem narcóticos e pais abusam de seus
filhos. A igreja não é o único covil de ladrões. A natureza humana, sendo o que
é, nos garante que encontremos pessoas mascaradas nos tribunais, clínicas, nos
auditórios de palestras, escritórios oficiais, em mesmo em lares que parecem
normais e felizes.
Isso, entretanto, não é desculpa para “pecados
religiosos”. As pessoas esperam mais dos ministros do evangelho, justamente
porque o ministério cristão está associado ao caráter. Batsell Barret Baxter
afirma: “O caráter do pregador tornou-se a base sobre a qual tudo o mais se
firma ou despenca”.
A construção do caráter
Phillips Brooks definiu a preparação para o
ministério como “nada menos que a construção de um homem”. Ele disse:
Ela
não pode ser o mero treinamento para certos truques. Também não pode ser o
fornecimento de conhecimento abundante. Deve ser nada menos do que o amassar e
temperar a natureza de um homem até torna-la de tal consistência e qualidade
que seja passível de ser transmitida.
Em um de seus sermões, Brooks define “o grande
propósito da vida” como “a moldagem do caráter pela verdade”. O que significa
que precisamos ter talento, treinamento, experiência, reputação e
personalidade, mas se não tivermos caráter, não teremos nada, pois a base do
ministério é o caráter.
Robert Murray M’Cheyne escreveu a seu amigo
missionário Daniel Edwards:
Lembre-se
de que você é espada de Deus – instrumento dele -, creio que um vaso escolhido
para carregar seu nome. O sucesso dependerá, em grande parte, da pureza e
perfeição do instrumento. Não são tanto os grandes talentos que Deus abençoa,
mas uma semelhança com Jesus. Um ministro santo é uma arma terrível nas mãos de
Deus.
O caráter é a matéria-prima da vida, a partir
da qual, pela diligência, construímos um templo, ou, por negligência,
produzimos lixo.
Abraham Lincoln dizia que o caráter é como uma
árvore e a reputação é como a sombra desta árvore. A reputação é o que as
pessoas pensam que somos; caráter é o que Deus sabe que somos. O evangelista D. L. Moody disse que o caráter
é “o que um homem é no escuro”. O mestre em finanças J. P. Morgan declarou que “caráter
é a melhor garantia que uma pessoa pode dar”.
Caráter é o que Jesus descreveu nas
Bem-aventuranças e demonstrou em sua vida e ministério, conforme o relato dos
Evangelhos. O caráter é formado pelas qualidades que o apóstolo Paulo chamou de
“fruto do Espírito” em Gálatas 5.22,23; são as qualificações para o ofício em 1Timóteo
3 e em Tito 1. Pessoas de caráter têm integridade; o que elas dizem e fazem vem
do coração inteiramente dedicado a Deus.
Integridade significa inteireza interior; não
tentamos enganar os outros (hipocrisia) ou a nós mesmos (duplicidade).
Integridade é José dizer “não” à mulher de
Potifar e ir para a prisão por ser honesto e casto. É Moisés desistir dos
privilégios de um príncipe egípcio pelos perigos e problemas existentes para um
profeta judeu, e por quarenta anos, sacrificialmente, servir a um povo que não
merecia a sua liderança. É o profeta Jeremias devotar sua vida a suplicar a seu
povo e ver a nação morrer perante seus olhos. É Paulo dizendo: “Meus irmãos,
tenho cumprido meu dever para com Deus com toda a boa consequência, até o dia
de hoje” (Atos 23.1, NVI), e baterem em sua boca por ter dito isso. É Martinho
Lutero, na Dieta de Worms, declarando: “Não posso fazer outra coisa; esta é a
minha posição. Que Deus me ajude. Amém”, e mesmo que não quisesse iniciava o
movimento de Reforma da Igreja. É Jim Elliot escrevendo em seu jornal: “Não é
tolo aquele que abre mão do que não pode reter para ganhar o que não pode
perder”.
Caráter se revela nas coisas escondidas do
dia-a-dia, como dizer a verdade quando uma mentira ira ajuda-lo a escapar de
problemas, levar a culpa quando alguém a merece, não tomar atalhos em um
trabalho que ninguém vai inspecionar, ou fazer sacrifícios para ajudar as
pessoas que não irão apreciar o que você fizer de qualquer maneira. Caráter
significa viver sua vida diante de Deus, temendo só a ele e procurando
agrada-lo, não importa como você se sente ou o que outros possam dizer e fazer.
Construir um caráter é processo difícil que
envolve a experiência de toda a vida. “A força do caráter é cumulativa”, escreveu
Emerson em seu ensaio Autoconfiança. “Todos
os dias de virtude que se passaram colaboram para tal.”
Para os cristãos, formar um caráter saudável e
santo é levar as Escrituras a se tornarem uma parte do seu ser interior e
obedecer ao que elas dizem. Esse tipo de caráter vem com o tempo dedicado,
fervorosamente, à adoração e à oração, com os sacrifícios feitos com alegria e
com o desejo de servir aos outros. O caráter é fortalecido quando sofremos e
dependemos da graça de Deus para sermos conduzidos por ele e glorificamos seu
nome. Isso significa dizer como Jó: “Mas ele conhece o caminho por onde ando;
se me puser à prova, aparecerei como o ouro.”(Jó 23.10, NVI).
Nos dias de hoje, em que a mídia faz mágicas,
pessoas insignificantes e sem talento podem alcançar fama internacional muito
rapidamente, mas esse tipo de reputação não é caráter. Walter Savage Landor,
nunca viu um aparelho de televisão, mas tinha essa “falsa fama” em mente
quando, há mais de um século, escreveu: “Quando homens pequenos produzem
grandes sombras, é sinal de que o sol está se pondo”.
Raramente o caráter se constrói em solidão;
precisamos da responsabilidade e prestação de contas que outros trazem para
nossa vida para que o caráter seja saudável e equilibrado. Embora não
apreciemos certas experiências, precisamos dos desapontamentos e machucados que
experimentamos quando amamos e servimos às pessoas. Sejam pessoas ligadas ao
ministério pastoral, ao conselho de uma igreja, ou à família. O relacionamento
de compromisso nos ajuda a seguir o planejamento de Deus e a construir um caráter
que o agrade.
Questões de caráter
A natureza do ministério cristão nos apresenta
oportunidades que podem ser testes que nos ajudam em nossa estruturação pessoal
ou nos tentam para nos destruir. As pessoas nos abrem suas vidas e relacionamentos
confidenciais podem levar à exploração. Semana após semana, nos apresentamos
perante as pessoas e declaramos a Palavra de Deus. A apreciação destas pessoas
pode inflar nosso ego, ou sua crítica, nos abater. O que achamos que é sucesso,
Deus pode ver como fracasso, da mesma forma que nossas falhas aparentes podem
tornar-se nossas maiores conquistas para a glória de Deus.
Embora chamados de “servos de todos”, os
ministros têm mais tempo do que a maioria para administrar seu tempo e planejar
suas atividades. “Em uma vida santa, deve haver controle do tempo”, escreveu
Ralph Turnbull. “Devemos disciplinar as horas e submetê-las ao propósito de
Deus”.
Há também a perigosa influência do
amortecimento, a que Geroge Morrison chamou de “habituar-se a lidar com o que
acompanha as coisas sagradas”. Mecanicamente, preparamos sermões e os pregamos,
mas nosso coração não está abrasado pela mensagem de Deus. Dia após dia, oramos
com pessoas feridas, e cada oração é igual à anterior, e ninguém percebe a
diferença. O profeta Malaquias tinha esse tipo de ministério em mente quando
denunciou os sacerdotes de seu tempo, que eram mercenários e não pastores de
vidas.
Ser capaz de devotar a vida inteira a estudar e ensinar a verdade de
Deus, servindo com o povo de Deus, carregando fardos e compartilhando a
construção da Igreja, é um grande privilégio!
Como o caráter se destrói
Como uma grande catedral, o caráter se constrói
dia após dia, uma pedra de cada vez, com paciência e determinação, todo o tempo
procurando seguir o plano de Deus passo a passo. E, como uma grande catedral, o
caráter pode ser destruído silenciosamente, em vários lugares escondidos,
imperceptíveis, mas nunca despercebidos por Deus. Um dia, a tempestade vem e a
estrutura se rompe, e a queda é grande.
O caráter se destrói porque as pessoas falham
em colocar em prática Provérbios 4.23: “Acima de tudo, guarde o seu coração,
pois dele depende toda a sua vida” (NVI). A vida é construída sobre o caráter e
o caráter é construído sobre as decisões que tomamos. Contrariando os desejos
de seus pais e a lei de Deus, Sansão decidiu se casar com uma mulher filisteia,
sem perceber que sua decisão foi um dos primeiros passos para a sua derrota.
Davi decidiu deixar o campo de batalha e ficar em casa repousando; mas ao
deixar de lado suas armaduras, a material e a moral, descobriu que não poderia
vencer as astutas ciladas do diabo ou os desejos do próprio corpo. Por outro lado,
pessoas como José, Josué, Rute, Ester, Paulo e João, decidiram confiar em Deus,
assumiram seu lugar junto ao povo de Deus e foram usados por Deus para realizar
façanhas.
A erosão do caráter geralmente começa com a
negligência. Deixamos de ler a Palavra, a adoração torna-se escassa e passamos
a não dedicar mais tempo à meditação e à oração. Paramos de nos doar e, ao
invés disso, começamos a perguntar “O que vou ganhar com isso?”. Paramos de ter
fome de santidade e de exercitar a disciplina e o discernimento espiritual.
Paramos de fazer aqueles sacrifícios que mostram nosso amor por Cristo e por
seu povo. Fazemos nosso trabalho ministerial mecanicamente porque nosso coração
não está mais nele. Com o tempo, nos vemos “fazendo arranjos” para pecar,
convencidos de que podemos nos livrar da responsabilidade ou culpa daquilo que
ninguém sabe.
O processo é mortal. Primeiro oscilamos, depois
pecamos em segredo; em seguida vem a oculta erosão de caráter que leva a uma embaraçosa
queda pública.
A tragédia é que podemos ser levados a pensar
que é possível desfrutar de uma vida dupla sem consequências. Engana-se os
outros e, mesmo que não se admita, a si memo. Não há como enganar a Deus e
mudar suas leis. “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o
homem semear, isso também colherá” (Gálatas 6.7, NVI). O ventre da imaginação
dá à luz o pecado e o pecado, por ser um assassino, cresce e começa a matar. “Então
esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se
consumado, gera a morte” (Tiago 1.15, NVI). O caráter morre, a devoção morre, o
lar feliz morre, a reputação morre, o ministério morre e, talvez, morra também
o ministro.
A restauração do caráter
O caráter danificado pode ser restaurado? O
ministério rompido pode ser reparado?
Não e sim.
Não, se o ofensor oferece desculpas em lugar de
confissão, se mostra remorso em lugar de arrependimento, se resiste à
autoridade e busca por todo o lado uma segunda ou terceira opinião. Não, se o
ofensor corre para os braços do primeiro falso profeta que disser “Paz, paz”,
onde não há paz. Não se o ofensor for em busca de atalhos, um curso de
reabilitação rápido e infalível, que não é custoso nem doloroso, supervisionado
por alguém que prefere a cal em vez da lavagem branqueadora de Deus.
Sim, se o ofensor está disposto a confessar o
pecado com humildade, julgá-lo severamente, desviar-se dele por completo,
submeter-se em obediência e cooperar pacientemente enquanto o Oleiro faz o vaso
de novo. Se o processo original levou tempo e foi trabalhoso, o processo de
reconstrução, da mesma forma, leva tempo e pode ser ainda mais trabalhoso, mas
pode ser feito.
Recomendações finais
Nenhum servo verdadeiro de Deus vai tentar
descobrir o quão perto do pecado consegue chegar e ainda assim permanecer
aceitável para o serviço. Ao contrário, ele respeita as palavras do salmista: “Odeiem
o mal, vocês que amam o SENHOR ...” (Salmos 97.10, NVI). Ele considera o
conselho de Salomão: “Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende
toda a sua vida.” (Provérbios 4.23, NVI).
É mais
fácil construir um caráter e zelar por ele do que reconstruí-lo depois de tê-lo
perdido. “Quero crer que o grande empreendimento na terra é a santificação da
própria alma”
(Henry Martyn)
(Henry Martyn)
Referências
WIERSBE, Warren W. & David W., 10 Princípios Poderosos para o Serviço
Cristão, Editora OBPC, Shedd Publicações, 2013
Compilação de capítulos e notas. As anotações são uma ferramenta mnemônica para
o estudo do livro. Muito pouco foi adicionado, vez por outra, uma alteração de sintaxe ou semantica que oferece um entendimento melhor propondo até uma tradução mais adequada.
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